quinta-feira, 26 de março de 2009

Paulo Francis e a Vida

(O Globo, 11/01/96) - Amor de... Sempre fica. É a explicação mais óbvia da paixão de Hannah Arendt por Martin Heidegger, de uma atraente aluna, virgem de 18 anos, pelo seu professor "feiticeiro", intelectualmente, de 35 anos, Heidegger, o filósofo que consolidou a filosofia existencial, nas pegadas de Kierkegaard. Desde Kant não se acreditava numa filosofia que fosse centrada na criatura humana, porque Kant demonstrou a incompatibilidade do nosso ser com o mundo material. Heidegger tentou restabelecer o "eu", como protagonista. Foi nazista, mas não há na sua obra uma única linha de racismo biológico, nota George Steiner no "Times Literary Supplement". Nazismo para ele era uma volta às raízes naturais do homem antes que fossem extirpadas pelo pensamento científico e tecnológico, este principalmente, que Heidegger acha que destruirá a civilização. Uma bobagem, um "nazismo particular", na frase precisa de seu inquisidor francês, em 1945, e que Arendt, judia, resolveu relevar, em parte pela referida paixão, em parte porque é profunda admiradora da filosofia de Heidegger (seu melhor livro, "A condição humana", é influenciado por "Ser e existir", a obra-prima incompleta de Heidegger). Elzbieta Ettinger, uma acadêmica suburbana, escreveu um livro, "Hannah Arendt e Martin Heidegger", cujo principal interesse é que conseguiu autorização dos herdeiros de Arendt para citar suas cartas a Heidegger e de parafrasear as de Heidegger a ela. Só cita o masoquismo sexual servil de Arendt, difamando-a. A história é a que contei acima. O resto é besteira."As grandes paixões são raras como as obras-primas." Balzac.
(O Globo, 18/02/96) - EUA - Deus - Um novo livro de Richard Swinburne, "Existe um Deus?", 144 págs., 7,99 libras, Oxford University Press. Swinburne é um catedrático de filosofia e religião cristã em Oxford. Foi resenhado no "Sunday Times" de 4 de fevereiro por Richard Dawkins, um catedrático de Entendimento Público da Ciência, disciplina e cadeira recem-criadas em Oxford.Dawkins é um materialista radical. Sua veemência é curiosa. Há muito baixo religiosismo hoje, do "bispo" Macedo aos evangélicos nos EUA, mas religião como tema de discussão intelectual, à Peguy, Maurois, Maritain, et. all está em ponto morto. Como disse Graham Greene, em "A burnt-out case"’, qualquer secundarista de 16 anos desprova cientificamente a existência de Deus.Swinburne, segundo Dawkins, resolve provar cientificamente a existência de Deus. É que haveria bilhões de elétrons, em interligação complexíssima, mas privando das mesmas características desde o século XIX, e a única maneira de fazer sentido dessa diversidade é por meio de um deus, que, ao contrário dos elétrons, é uma substância só. Esse argumento é o mesmo de Santo Tomás de Aquino no século XIII, o da Primeira Causa, que geraria todo movimento. Bertrand Russel postulou em resposta, por que não o movimento permanente.Creio no absurdo - Religião se discute no argumento da fé, de São Paulo a Santo Agostinho, a Pascal, a Karl Barth. Este resume no seu "A epístola aos romanos", de 1918, a posição religiosa. Deus seria distante, indiferente, inacessível ao ser humano. Concederia a graça divina a alguns, desconhecendo outros. É preciso ter fé. São Paulo deixa isso claro na "Epístola aos romanos", que Barth analisa em 500 páginas, parágrafo por parágrafo, obra-prima de exegese. Santo Agostinho, Pascal, Calvino, com diferenças formais, também eram crentes da predestinação. Os primeiros romances de Graham Greene, como "Brighton rock", são fundamentados em predestinação. O mundo é um inferno de que só a graça divina pode nos salvar. A graça, nota Barth, é arbitrariamente concedida. John Updike fez, confessamente, sua cabeça com Barth, o que aparece em sua obra-prima, "A month of Sundays", inédito no Brasil. É possível até situar o existencialismo de Kierkegaard e Heiddeger, nessa hipótese, que permeia o pensamento cristão, ainda que recusado oficialmente pelas igrejas principais. Dawkins responderia com Russell-Popper. Mas quem lhe dá certeza de que mais cul-de-sacs do que Dawkins concede.O homem se sabe finito, prisioneiro da natureza que floresce e morre, mas sua consciência lhe fala de maneira diferente. Basta projetar o argumento em quem nos enriqueceu a vida e morreu. Para Dawkins a luminosidade do seu ídolo, Bertrand Russell, foi fechada com e como um caixão? Deve ser assim, mas permanece em muitos de nós a dúvida.

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